Especial
TSN nº 15, 2023. ISSN: 2530-8521
A LISBOA DECADENTE DE FIALHO DE ALMEIDA*
The Decadent Lisbon of Fialho de Almeida
Vanda Rosa
Escola EB 2,3/S Aquilino Ribeiro, Oeiras (Portugal)

RESUMEN

O século XIX foi um século de grandes mudanças na Europa. Devido à Revolução Industrial, tanto a imagem física das cidades como as condições sociais, alteraram. Londres foi o cenário de estas grandes mudanças, contudo a capital portuguesa, à sua maneira, também sentiu os efeitos da modernização. Ainda que fosse uma cidade de casas abastadas, também haviam bairros de muita pobreza e degradação social. Os jornalistas literários deambulavam por estes lugares e nas suas crónicas retratavam a realidade que observavam. Um de estes autores, que escreveu sobre a cidade de Lisboa, foi Fialho de Almeida, um médico do campo que se enamorou da decadente capital de Portugal. Através dos seus olhos podemos observar as casas miseráveis, a decadência das suas gentes e o rio Tejo contaminado, assim como os bairros ricos. A noite é o seu momento preferido para passear por este labirinto que é Lisboa.

Palabras clave: Lisboa, noite, pobreza, decadência, labirinto, Fialho de Almeida

ABSTRACT

The XIX Century was one of enormous changes in Europe. Due to the Industrial Revolution, the physical image of the cities, as well as the social conditions, changed. London was the stage for these major changes, but the Portuguese capital, in its way, also felt the effects of modernization. Being cities of wealthy houses, there were also neighbourhoods of immense poverty and social degradation. The literary journalists wandered in these places and depicted in chronicles the reality they observed. One of these authors, who wrote about the city of Lisbon, was Fialho de Almeida, a doctor from the countryside who fell in love with the decadent capital of Portugal. Through his lenses we can observe the miserable houses, the decadent people and the polluted river Tagus as well as the rich neighbourhoods. The night is his favourite moment to wander in the labyrinth that is Lisbon.

Keywords: Lisbon, night, poverty, decadence, labyrinth, Fialho de Almeida
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A Lisboa decadente de Fialho de Almeida

O século XIX foi um período de grandes transformações urbanas e sociais. A Revolução Industrial alterou a fisionomia das cidades, como é o caso de Londres. Mesmo Portugal viu um desenvolvimento industrial, ainda que modesto, se comparado com outros países europeus. Em Lisboa e no Porto, por exemplo, havia modernas fábricas de fiação e de tecelagem de algodão. Mas Lisboa também viu as suas fronteiras serem alargadas com o abrir de novas avenidas em direção aos campos que rodeavam o centro urbano (entre a Rotunda e o Rato e as Avenidas Novas em direção ao Campo Grande, ou ainda os eixos da Avenida das Cortes — atual D. Carlos I — e da Avenida dos Anjos — atual Almirante Reis — ou com a renovação de espaços como o Passeio Público, que se transformou na Avenida da Liberdade nos dias de hoje, encimada pelo atual Parque Eduardo VII, com possível inspiração na Avenida Foch de Paris (Le Cunff, 2003, p. 183).

Alguns autores escreveram textos sobre esta nova Lisboa e Fialho de Almeida foi um deles. Nascido no Alentejo em 1857, mas um amante da capital portuguesa, Fialho foi um médico que quase não exerceu a sua profissão, preferindo dedicar-se às letras desde cedo. Escritor de contos, folhetins e romances, foi a sua vertente de jornalista literário que nos transmitiu a sua visão desta capital em evolução, através das crónicas impressas em vários periódicos do final do século XIX e inícios do século XX. É na apresentação das crónicas intituladas «Os gatos: publicação mensal de inquérito à vida portuguesa» que Fialho revela como é a sua escrita e o porquê do título que escolheu para as nomear:

Deus […] fez o crítico à semelhança do gato [e deu-lhe] a graça ondulosa e o assopro, o rorom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, refletido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários. (Almeida, 1992a, p. 31).

Assim, nas suas crónicas, Fialho vai «miando pouco, arranhando sempre, e não temendo nunca» (Almeida, 1992a, p. 31). De facto, a característica que sobressai na escrita deste autor é precisamente o sarcasmo, a ironia e a denúncia de várias situações por ele consideradas negativas, quer relativamente a pessoas, quer a espaços da cidade. Como refere Buescu, a cidade já simbolizava, na tradição literária, ambição, corrupção e impureza. Passou a ser espaço em que as doenças dos homens e do mundo podem ser equacionadas e onde se podem conceber hipóteses de cura para essas doenças (Buescu, 2001, p. 208). Assim, Fialho de Almeida tentará, através do seu jornalismo literário, apresentar algumas soluções para esta capital decadente.

Segundo Fialho de Almeida (1992c, p. 43), Lisboa cresceu, desde a década de 1880, devido a um aumento de imigrantes que vieram de outros pontos do país por causa da miséria provocada pela crise na agricultura, desde os ricos proprietários aos pobres agricultores. É uma ideia que o autor repete na sua crónica publicada em Pontos nos II a 29 de maio de 1890 e inserida na obra Vida irónica (Almeida, 1957, p. 9). Na verdade, houve problemas graves na agricultura devido a um surto de filoxera desde 1870 que havia destruído grande parte da vinha duriense e que terá alastrado ao resto do país. A mão-de-obra em excesso aliada a alguma industrialização e a um aumento da população terá levado, portanto, muitos a emigrar para o Brasil ou a deslocarem-se para a capital (Martins, 1997, pp. 495-496). A contribuir para o aumento da população em Lisboa, que em 1900 se situa nos 356 mil habitantes (Vieira, 1999, p. 138), estão também pessoas que haviam estado no Brasil e que regressaram à capital, segundo Fialho de Almeida (1992c, p. 44). De acordo com o autor em apreço, todos foram enganados e acabaram por perder o pouco de bom que tinham, os valores que a vida no campo transmite:

[Lisboa] é ainda hoje a mais desleixada, a mais porca, e a mais artificial de todas as capitais do universo. Mas vai que a passagem dessa gente, dos seus lugarejos natais, para um acampamento promíscuo, como este, d’à beira Tejo […] depois fere-os no peito, entra a contaminá-los de todos os vícios e de todos os fastios da vida alfacinha, desencaminha-os da sobriedade primeva para os esgotos do gozo dia a dia, […] acaba de lhes tirar o pouco que eles traziam de bom das suas terras. (Almeida, 1992c, pp. 44-45).

São os espaços e as pessoas miseráveis e com vícios que Fialho descreverá, tanto nos textos jornalísticos como nos contos. Para tal, a noite é o seu momento preferido e o bairro de eleição a Mouraria. Na crónica do periódico Correspondência de Leiria de 13 de dezembro de 1874, intitulada «As noites de Lisboa», este autor, no início de carreira literária e um jovem de apenas dezassete anos, desabafa já sobre o seu fascínio pela noite lisboeta:

Eu amo as noites de Lisboa em que as luzes das montras das lojas chispam reflexos cintilantes nos objetos que expõem, e iluminam de relance grupos de senhoras que passam, ou bandos de rapazes que riem.
É então que a vida parece crescer e brilhar. Passam ruidosamente as equipagens esplêndidas, iluminam-se num momento as salas dos cafés por lustres de cristal, os teatros coroam-se de lampiões, gritam os vendedores de senhas, ri-se, gesticula-se, fala-se, e tudo é vivo, forte, brilhante e despreocupado. Se há nuvens e a noite é escura, o gás forma sobre a cidade uma como auréola de reflexos.
Mas na primavera, no verão, a lua ergue-se entre cerros calvos, cai sobre as águas imóveis, prateia-as, e indo ao longo das ruas, ao centro das praças tudo alegra e tudo vivifica. Ai, como eu te amo, ó noite! (Almeida, 1874, dezembro 13, p. 2).

Através da análise das várias crónicas fialhianas, verificamos um contraste acentuado entre as crónicas mais tardias e esta, quando era ainda um jovem adulto. Naquele momento tudo era maravilhoso. Vislumbram-se já características do jornalismo literário, como a emotividade («Ai, como eu te amo, ó noite!») e os recursos expressivos — a adjetivação («tudo é vivo, forte, brilhante e despreocupado»), a antítese e a metáfora («as noites de Lisboa em que as luzes das montras das lojas chispam reflexos cintilantes») e a personificação («lua ergue-se entre cerros calvos, cai sobre as águas imóveis, prateia-as, e indo ao longo das ruas, ao centro das praças tudo alegra e tudo vivifica»). Mais adiante, encontramos os traços de flâneur, o viajante na cidade, algo que manterá durante toda a sua vida: «Às vezes caminho por Alfama ou Bairro Alto, altas horas» (Almeida, 1874, dezembro 13, p. 2).

No entanto, Fialho de Almeida reconhece já a dualidade da capital, pois nela encontra o lado pobre dos albergues, com ânsias, lágrimas e desvarios. Para termo de comparação menciona outras capitais europeias: «Londres com os seus milhares de famintos e perdidos, Paris com as suas lorettes lívidas, Madrid e a nossa Lisboa mesmo que, sem cantos nem mistérios, nos apresenta por vezes quadros que nos magoam» (Almeida, 1874, dezembro 13, p. 2). De facto, Fialho de Almeida não conhecia pessoalmente estes locais, mas interessado que era pela literatura, terá tido contacto com essas realidades através de obras de autores que as viveram, como Charles Dickens (1812-1870) ou Honoré de Balzac (1799-1850); as obras destes dois autores encontram-se no catálogo da sua biblioteca, contudo são de edições posteriores à da escrita da crónica.

Quando ficou a conhecer bem a cidade pela imersão que nela fazia, Fialho passou a descrever a miséria que assolava as pessoas da capital, «gente imprevidente e regalona, sem pé-de-meia, afoita ao viver imoral do dia a dia» (Almeida, 1992f, p. 201), que pede esmola nas ruas, está doente ou se suicida. Salienta o caso das velhitas que andam nas ruas a pedir esmola, envergonhadas. Mas «desce a noite como um capuz colossal sobre a cidade, amplificam-se os bairros, os prédios crescem, e as ruas se anastomosam em inextrincáveis arborências, desconformes da sonolência trágica da sombra» (Almeida, 1992f, p. 201). À noite tudo é hiperbolizado e, mais uma vez, o autor recorre à comparação. É a hora do gás, do jantar dos ricos e da ceia dos pobres, das refeições nas tascas, do movimento dos americanos e das tipoias. E é «nesse egoísmo monstro da digestão duma cidade [que] as pobres velhas, encostadas aos muros, resfolegando o esfacelo dos pulmões asmáticos do frio, as pobres velhas lá descem, coitadinhas, dos bairros lúgubres, para vir esmolar nos bairros da concorrência» (Almeida, 1992f, p. 202). Fialho mostra que está na rua a ver estas criaturas e reconhece uma delas como sendo uma viúva que havia tido uma boa vida e que caíra em desgraça por leviandade do filho, outra espanhola com uma história de vida ainda pior, novamente por culpa dos seus dois filhos. Outra, na zona do Montepio Geral, é «um espantalho de trapos […] de ossitos débeis, punho esburgado, branca da exanguidez das velhas peles que foram bem tratadas, e onde braceletes tilintaram, quem sabe, noutro tempo…» (Almeida, 1992f, p. 203). A descrição que Fialho nos apresenta destas velhas choca o leitor pela crueza e violência das palavras. Na verdade, não podemos ignorar que os primeiros textos de New Journalism eram pautados por notas sensacionalistas, cujo objetivo era causar repugnância. Esta descrição aponta também para o Naturalismo, pois o autor revela a decadência social destas mulheres, explicando ao mesmo tempo a causa dessa mesma decadência, uma vez que «o Naturalismo implica uma posição combativa, de análise dos problemas que a decadência social evidenciava» (Coelho, 1994, p. 701). Estes excertos de Fialho e outros que analisaremos inserem-se, ainda, naquilo que Kevin Kerrane e Ben Yagoda denominaram de «contos da cidade» (1998, p. 17), textos que focam as histórias humanas de cariz social.

De volta às palavras fialhescas, a compaixão apodera-se do autor, que lamenta ainda mais as velhinhas que são deficientes, pois por elas há maior repulsa, e critica os que recusam a ajuda a estes seres. À sua amargura, que tantas vezes deixa transparecer nos seus textos, contrapõe-se a ternura, pois como afirmou Raul Brandão, «se o virassem do avesso, escorria ternura» (Brandão, 1969, p. 44). Na verdade, as ruas de Lisboa estavam repletas de pedintes. Muitos pediam as moedas e orações pela sua alma em lugares fixos, outros entravam nas estalagens e casas de pasto. Apresentavam doenças, feridas, deformidades físicas, eram cegos ou faziam-se passar por tal (Veiga, 2003, p. 176).

Na crónica «De noite», inserida na obra Lisboa galante (1890), Fialho de Almeida vai novamente circulando na cidade e mostra as suas impressões, bem menos esfusiantes e positivas do que as demonstradas na crónica da Correspondência de Leiria. Por volta das cinco ou seis horas desce a noite e os candeeiros a gás «acendem as suas luzinhas vermelhentas, em fúnebres fieiras, que parece fazerem nas ruas grandes perspetivas de enterros» (Almeida, 1994, p. 121). As pessoas nas ruas são «escuros formigueiros de gente» (Almeida, 1994, p. 121). As lojas iluminam as suas montras e mostram os transeuntes: «Mulheres apressadas, cujos tacões mordem a lama, num tique de bonecas e de adúlteras, carvoeiros e janotas, barretes e chapéus altos» (Almeida, 1994, pp. 121-122). Ou seja, na rua circulam mulheres menos honestas, assim como gente do povo e pessoas de uma classe social mais elevada. Mas na descrição deste início de noite reitera-se a imagem de morte que já havia sido revelada com os candeeiros: «Nas janelas das casas há moribundos brilhos discretos de candeeiros, sombras que se desfazem […]; e a gentana cresce, acotovela-se, confunde-se, apagando os cambiantes de estofos na mesma uniformidade de vultos pardacentos» (Almeida, 1994, p. 122). A mesma ideia repete-se mais abaixo:

O céu ganhou uma cor de nanquim lúgubre e morta, sem estrelas, zebrada com farrapos de névoa, de onde goteja o tédio em pérolas letais: […] os olhos veem os cocurutos dos prédios apagarem-se num vago, e os fios do telégrafo em pautas de música, de esquina a esquina, reduzirem vagamente, como outras tantas cordas de uma harpa, onde em surdina vibrasse o De profundis de uma raça de escravos e truões.
Vista do cimo dos montes, a essa hora, a cidade perdeu completamente a configuração burguesa que havia à luz do sol, para tornar-se numa indefinida necrópole de assustadoras perspetivas. (Almeida, 1994, p. 122).

A Lisboa diurna, burguesa, transforma-se numa necrópole onde tudo é vago e assustador, não faltando até a banda sonora deste velório. E para a vivacidade desta descrição contribuem os recursos expressivos, característica do jornalismo literário, como a adjetivação «nanquim lúgubre e morta» e as metáforas «zebrada com farrapos de névoa», «de onde goteja o tédio em pérolas letais», «os fios do telégrafo em pautas de música».

Na mesma crónica, «De noite», Fialho sugere que se veja a cidade a partir do adro da igreja da Graça, numa noite sem lua, para ouvir os sons que sobem da Baixa. Estando aí, «percebe-se à esquerda o monte do Castelo, que parece emergir de um charco de tinta, e ele mesmo esbatido em negro, […] recortando-se num fundo de céu cinzento, de água do Tejo, e casarias esburacadas de luzeiros» (Almeida, 1994, p. 123). À esquerda vê-se Nossa Senhora do Monte, com casas novas, quintais e mirantes. Entre estas duas colinas, «a casaria atropela-se de corrida […]. É assim um grande leque de casarões, de que a noite não deixa aperceber senão bocados, e de cuja sobranceria soturna a fantasia só evoca monstruosidades e tragédias (Almeida, 1994, p. 123).

Fialho de Almeida transmite-nos aquilo que Lynch denomina de «visual scope» (2000, p. 106): são qualidades que aumentam o campo de visão, de forma simbólica ou real. Esta categoria de desenho de uma cidade inclui transparências; panoramas que aumentam a profundidade de visão (mostra a cidade vista de um plano superior); elementos articuladores, como a colina do Castelo e Nossa Senhora do Monte, o alto dos prédios ou os fios do telégrafo; a concavidade, sugerida pelas «casarias esburacadas de luzeiros»; pistas que nos remetem para um elemento invisível, como as monstruosidades ou tragédias em Fialho (Lynch, 2000, pp. 106-107).

Fialho de Almeida acrescenta ainda que a imagem descrita é «semelhante a um pesadelo hugoesco que Goya e Rembrandt houvessem reproduzido» (Almeida, 1994, p. 123). O primeiro pintor, Francisco de Goya (1746-1828), retratou cenas de guerra ou morte e Fialho refere-se precisamente a esses quadros, como Los desastres de la guerra ou Saturno devorando a un hijo. No caso de Rembrandt (1606-1669), a sua utilização da luz e da sombra fê-lo reconhecer que a imagem da Lisboa noturna seria bem retratada.

Continuando a sua flanagem e descrevendo um mapa da capital, descendo e passando pelos hospitais do Desterro, de S. Lázaro e de S. José, Fialho escolhe palavras relacionadas com o sofrimento, próprio dos espaços que o circundam, e exagera na comparação dos edifícios: «A mole dos hospitais […], hirta e soturna, sem luzes, com um sino rouco batendo os quartos de hora de agonia — mole viva e sinistra, feita de grandes edifícios quadrilongos, que antes parecem troncos de animais, canzarrões dantescos» (Almeida, 1994, p. 124). Seguindo o seu périplo, chega à Mouraria, «uma massa se sombra caliginosa […]; ali os prédios são velhos, as ruas estreitas, nenhuma reverberação de gás lambe as paredes» (Almeida, 1994, p. 124). Aqui o jornalista deixa de observar a urbe de cima para ter uma visão ao nível da rua, revelando já uma atitude ativa, embrenhando-se nas ruas da capital. Ainda no mesmo texto, «De noite», Lisboa à noite é personificada num monstro:

Neste corpo de monstro escamoso e fosforescente, que é Lisboa de noite, feito de placas, corcovas, pernas, anciloses, há um sistema arterial desenhado a luzes de gás, por cujos grandes vasos carroçam movimento e vida; e um sistema nervoso para a repercussão das suas grandes misérias e das suas grandes dores.
O coração do primeiro é o quadrilátero chamejante do Rossio. O encéfalo do segundo parece ser a grande massa dos edifícios hospitalares. Daquele Rossio claro e saltante brota de facto um ruído incessante em catadupas, que parece crescer, ter raivas, sobressaltos; e é feito do rodar dos trens, dos silvos dos tramways, dos pregões dos jornais e das convulsivas vozes de centenas de bocas que peroram, palestram, dizem mal — ruído gerado ali mesmo e propulsando ao longe, através a rosácea das ruas, todos quantos frémitos a população àquela hora da noite ainda pode conter de atividade. Como um coração que expede para os diferentes pontos do corpo as hematias da vida, assim daquela praça o gás se ramifica, num escorpião de artérias luminosas, que descem e sobem, mergulham e afloram os tecidos profundos dos bairros, coleando e luzindo… a Avenida, S. Pedro de Alcântara, a Rua Áurea — e para todos os lados luzinhas bruxuleiam, pelas artérias somenos da cidade, até se perderem nas ilhotas de sombra, onde os vícios dormem, e a pobreza espatina entre a miséria e a taberna, como um rato de esgoto entre duas ratoeiras. (Almeida, 1994, pp. 124-125).

Esta longa citação é pertinente, uma vez que este ser monstruoso que é a capital de Portugal emite ruídos que saem dos meios de transporte, dos pregões, dos maldizentes. Aliás, é precisamente o ruído que transmite imagem do monstro assustador, devorador. A iluminação das ruas é semelhante a um escorpião, animal mortífero que vive nas trevas e cuja cauda sempre esticada tem o veneno num aguilhão pronto a picar até à morte quem lhe tocar. Quem andar nas ruas arrisca-se a ser tocado pelo vício e morrer com o seu veneno. As ramificações de luz chegam a todo o lado, até aos bairros mais pobres da cidade, onde impera o vício. Fialho de Almeida apresenta uma descrição vívida e pormenorizada, em que o monstro está nas profundezas da cidade, nos seus bairros vitais, e o homem está condenado, dificilmente será regenerado.

Continuando o seu percurso pela capital, Fialho chega às oito, nove horas da noite. Encontra menos gente na rua, pois um terço das pessoas que por lá andava tinha ido para os teatros. Se uns foram para os teatros, os estudantes foram estudar, os operários foram para os seus casebres e as costureiras «enfezaditas, com toilettes fanadas, joias de strass e chapéus murchos» (Almeida, 1994, p. 125) passavam em grupos de três ou quatro. Tinham o aspeto dúbio entre mendigas e cocotes, lábios pintados e olhavam pelo canto do olho homens que paravam na rua, procurando dinheiro nos bolsos. Ficam na rua os noctívagos «para dar largas aos seus caprichos, monomanias, análises e doenças» (Almeida, 1994, p. 126), criaturas que se assemelhavam a animais:

Veem-se aqueles tresnoitados bichos surgir dos portais das casas e entrarem e saírem dos cafés, dos bilhares, das casas de batota, prostíbulos e baiucas de aguardente, as pálpebras pisadas que um tique epileptiza, olhos de morcegos e de gatos, o passinho mole, as mãos errantes, procurando apagar-se, não dar nas vistas. (Almeida, 1994, p. 126).

O autor faz a descrição física destes seres: «Alguns são pálidos, bisonhos, longos, dessimétricos de face, com uma vacuidade de espectros e de lesmas. Outros gorduchos, com apoplexia no afogueamento da papada» (Almeida, 1994, p. 126). Alguns começaram a beber ainda adolescentes, pelo que apresentam ventres dilatados. A voz é roufenha e com guinchos.

A hereditariedade, tema muito em voga na ciência do século XIX pelos avanços do darwinismo e por influência de Taine, é um aspeto fundamental para que estes seres apresentem estas características1. Afirma Fialho que «na ascendência de quase todos há fatalidades lúgubres de herança, o alcoolismo, a loucura, a paralisia geral, a pederastia e todas as vesânias estranhas do luxo, misticismo e dissipação. […] [São] espectros» (Almeida, 1994, pp. 127-128). Salientamos a constante utilização do vocábulo «espectro», que acentua a vida decadente destas pessoas, cuja hereditariedade tem um papel importante.

Por volta das onze horas, meia-noite, terminam os teatros e as ruas voltam a encher-se temporariamente. O teatro era a paixão nacional por esta altura. Quem tivesse dinheiro e tempo livre esgotava os teatros para ver os seus atores favoritos (Eduardo Brasão, Augusto e João Rosa, Rosa Damasceno ou Virgínia), que eram os ídolos desta época (Vieira, 1999, p. 129). Os teatros eram espaços para divertimento ou convívio social: «A grande maioria ia ao teatro para ver e ser visto ou até mesmo para tratar de negócios» (Magalhães, 2014, p. 309). A população distribuía-se de acordo com o seu estrato social e preferências de género teatral: a elite preferia, para além do São Carlos, a principal sala da capital onde se representavam óperas, as récitas do Teatro D. Maria II (drama e alta comédia) e do Teatro D. Amélia (atual São Luiz, por onde passavam as principais companhias estrangeiras); as classes médias repartiam-se pelos teatros do Ginásio (comédia), Avenida e Rua dos Condes (revista e opereta), Príncipe Real (Apolo, depois de 1910, apresentava melodramas) e Trindade (teatro musicado e drama); o povo distribuía-se pelos palcos de muitas sociedades recreativas e pelos teatros ambulantes que se erguiam nas feiras de Belém, Alcântara, Santos ou Parque Eduardo VII (Magalhães, 2014, pp. 310, 314).

Ainda às onze horas da noite há polícias nas ruas e os noctívagos caem «de bebedeira, de fome, de fadiga, de doença e de deboche, até que a polícia os distribui pelas cadeias, os estatela nos albergues de noite, ou os manda de presente à Misericórdia e aos hospitais» (Almeida, 1994, p. 127). Fialho acrescenta que todos os dias há miseráveis que vão «para a vala» (Almeida, 1994, p. 127). Além disso,

uma multidão de miseráveis novos acorre de todos os pontos da província, a povoar os nossos asfaltos com os mesmos monstros, que por causas idênticas chegam a contaminar-se das mesmas perversões, a constituir-se autómatos dos mesmos vícios, e a acabar por fim no mesmo lodaçal de infâmia e perversidade (Almeida, 1994, p. 127).

Nota-se um crescente de negativismo na descrição da cidade de Lisboa à noite e a cidade, que é um monstro, tem também monstros nas suas ruas com os vícios idênticos e constantes que não permitem a sua regeneração. O ambiente da cidade leva ao comportamento degenerado, como se comprova por estas palavras fialhescas.

Na obra Vida irónica [1892], de Fialho, também se fala de Lisboa à noite. Nas negridões dos bai rros há sobressaltos, abismos das ruas, lagos de sombras das praças e crateras extintas dos outeiros. É uma Lisboa diferente, «latente de tragédias, convulsa apesar da paresia exterior que a cadaveriza, aflita» (Almeida, 1957, p. 3), cada vez mais espectral à medida que a noite avança. Novamente o vocabulário menciona a morte. Nesta noite em que o autor circula há frio, solidão, desconforto. Os recursos expressivos, próprios da escrita do jornalismo literário, regressam à escrita de Fialho de Almeida: «Claridades lambem com brusca língua o chão molhado» (Almeida, 1957, p. 3); «do rio que ao largo muge, das beiras dos telhados que ciciam, e da água dos chafarizes que pede que a deixem voltar de novo aos tanques e às nascentes» (Almeida, 1957, p. 4). São os elementos da cidade que ganham vida através da personificação. Mas também existem hipérboles quando o autor exagera a impressão que a escuridão transmite quando não há ninguém nas ruas:

a cidade como que fica à mercê dos sonhos trágicos, as ruas são maiores, as casas mais lúgubres, as árvores colossais de desespero, e os próprios sinos se esquecem de dar horas, uma angústia mortal baba das coisas, há rondas de loucura nas tremulinas do gás, soluços vagos, até que os gongs da Sé dão de repente quatro e meia. (Almeida, 1957, p. 4).

Se a noite é assustadora e trágica, à hora em que a cidade recomeça a viver com a chegada das carroças para o mercado a morte continua presente. As carroças são «lúgubres como sarcófagos» (Almeida, 1957, p. 4), os hortaliceiros têm gestos de autómatos, a carne dos animais mortos é sangrenta. O mercado é sinistro, o céu é fúnebre, há fuligens trágicas no ar. Às seis horas da manhã «é quando entra do prostíbulo e da batota a gente que apodrece, e quando sai para a labuta a gente que trabalha» (Almeida, 1957, p. 6).

Se, por um lado, Fialho nos apresenta uma cidade assustadora e miserável, por outro este era o seu espaço de eleição, «com os escaninhos, as ruas escusas, as casas de vício, os lausperenes, os frades de pedra e os galegos» (Almeida, 1969, p. 45). Mas não era só da cidade que ele gostava, a noite era o tempo da sua boémia. Como o autor afirma no seu texto «Boémios» (n. d.), inserido na coletânea póstuma Figuras de destaque [1924], depois de estarem no café Mónaco ou no Martinho a falar sobre o dia, literatura, política ou boas mulheres, seguia o grupo de amigos em que Fialho se inseria pelo Rossio e pelo Passeio Público até ao café Vigia ou tascas da Rua do Salitre, ou até ao Tejo pela Baixa. A noite atraía-o pelo mistério, pela imprecisão das linhas a adivinhar o Impressionismo, pelas tragédias, pelos poemas fantasmáticos:

a noite, com seu mistério turbante, suas vozes erráticas, suas moles de linhas imprecisas, suas lagoas de tinta sulfurosa, suas tragédias de nervos e de estrelas, seus sabbats aberrantes de ideias e deboches, é a grande caverna da alquimia poética onde os Faustos escarvam, sob o satanismo do génio, os fantasmáticos poemas de mors amor. (Almeida, 1969, p. 53).

A referência às lagoas sulfurosas e a Fausto remetem-nos para um lado mais terrível da noite, para o lado infernal e espectral da urbe noturna, já por nós referido. Para Fialho de Almeida, à noite a realidade muda: o barulho das ruas muda de sentido e de ritmo, prenunciando catástrofe; os rostos transformam-se e vê-se «uma espécie de loucura perseguida, de frenesi macabro, de ânsia prevaricante, de insofrida luxúria, asinina, felina» (Almeida, 1969, p. 54). A noite torna-se, assim, reveladora de uma realidade plena de loucura, de pecado e de ins tintos animais. É a noite que o autor se alheia de tudo o que o rodeia e, «nessas incoerentes jornadas, dia ou noite, quando o delírio da imaginação solitária me põe à estrada, Lisboa vai-me abrindo gradualmente o seu mistério e os seus recantos» (Almeida, 1892, p. 202). Como afirma Lucília Verdelho da Costa, o amor de Fialho pela Lisboa noturna fez com que o escritor lhe dedicasse «páginas impressivas de uma beleza convulsiva» (2004, p. 73).

Vista de cima, à noite, a cidade de Lisboa assemelha-se a uma necrópole. Percorrendo as suas ruas, o jornalista literário embrenha-se nas entranhas do monstro que todo devora. O progresso do final do século não chega a todos os bairros e a decadência dos seus habitantes é chocante. O uso de vocabulário negativo e a recorrência de determinadas palavras comprova esta imagem da cidade maldita e dos habitantes miseráveis que vivem uma existência trágica nas entranhas de um ser colossal e monstruoso.

Fialho de Almeida circula por Lisboa, pelos seus bairros, dedicando maior atenção à Mouraria e a Alfama. Nas suas palavras, no bairro de Alfama nada há a nível arquitetónico que valha a pena manter, salvo algumas alfurjas e becos e partes da muralha fernandina e joanina. Sai-se «enojado da porcaria das ruas e das lojas, da insulez arquitetónica dos prédios, da irremissibilidade anti-higiénica, enfim daquele imundo ghetto onde pulula uma ralé de gente verde, ossosa, e que parece exumada depois de alguns meses de podridão subterrânea» (Almeida, 1960, p. 107). Novamente se faz referência à morte e aqui, de forma muito explícita, a ideia do submundo que é este bairro (e outros, como o Castelo, Santa Apolónia ou Mouraria), por toda a miséria que os percorre. É a visão de baixo da cidade, segundo Pike (1981, p. 36), em que o observador se imiscui nas suas fundações. Quer isto dizer que o jornalista literário passa de mero observador de cima a transeunte ativo no coração da cidade. Fialho afirma mesmo que, na sua opinião e de outros médicos que têm «escoldrinhado» (Almeida, 1960, p. 107) aqueles bairros, estes devem ser demolidos para conseguir destruir os seus «focos de patogenia complexa» (Almeida, 1960, p. 108) e para construir uma adequada rede de canalização e de esgotos «para a imundícia não fazer depósitos permanentes no subsolo, já de si secularmente infiltrado e pestilento» (Almeida, 1960, p. 108). Fialho, apesar de praticamente não ter exercido a profissão para a qual estudou, não deixa de aplicar os conhecimentos obtidos no trabalho literário. Com o advento do Realismo-Naturalismo, o repórter passou a ser um cientista social, que investigava a sociedade que o rodeava para escrever os seus textos. Aliás, Soares considera que os primeiros jornalistas literários foram os primeiros sociólogos, que se preocupavam em investigar a pobreza, a falta de higiene, as doenças, a mortalidade infantil, a poluição e outros problemas sociais, como o crime, a prostituição e os vícios que levam à degradação humana (2017, p. 65). São precisamente estes os temas mencionados nas crónicas escritas por Fialho de Almeida. Na verdade, ele encara a sociedade como um organismo doente e não se consegue dissociar da sua formação médica. É o que afirma Costa:

Como médico, o escritor vê sobretudo doentes, casos clínicos: do psiquismo, do carácter, do meio ambiente que frequentam. O mundo é um grande hospital: cada indivíduo com a sua história de vida (e de doença). […] Já não se situa numa lógica naturalista: se o destino das personagens se encontra relativamente traçado, e anunciado, em função das leis do determinismo social, é o sintoma e o caso da doença, como degenerescência, que interessam Fialho, e não a sociedade em si. Sob este aspeto, Fialho é não só um pessimista, como um individualista. Como escritor, não consegue separar-se do médico. A sua medicina foi a escrita. (Costa, 2004, p. 27).

Para Fialho de Almeida, a decadência dos bairros depende dos seus habitantes: «Não é bem a miséria, muitas vezes, o impulsor principal da porcaria lisboeta […] mas o desmazelo horrível que as famílias do povo põem na casa, e a nenhuma noção de aconchego que a população operária se faz sobre a vida de família» (Almeida, 1904, pp. 354-355). O autor refere que o interior das casas dos operários parece uma toca para dormir, com poucas peças de mobiliário que ninguém limpa ou repara; os quartos estão nas zonas escuras da casa e olhar lá para dentro faz náuseas; a cozinha tem tudo sujo e os cheiros da pia e do esfregão são fétidos. A ideia destes locais como sendo tocas ou covis, espaços destinados a animais, reforça ao mesmo tempo a ideia de primitivismo e animalidade dos seus habitantes. A imundície e a falta de mobiliário é também notada. Na realidade, as novas construções não tinham qualidade e a única limitação era ter no máximo cinco andares numa regulamentação de 1903 (Vieira, 1999, p. 139).

Fialho de Almeida não se limita a observar e a relatar o que vê. Quer ser interventivo e sugere que a Câmara Municipal proporcione banhos gratuitos a estas pessoas e que o governo forneça água barata e que ensine «o amor da casa e da limpeza» (Almeida, 1904, p. 355) em vez de se lembrar delas apenas para pedir impostos e levar os filhos para o exército. Sugere ainda que lhes seja dada a possibilidade de morarem em bairros mais claros e a disponibilização de cursos de lavor doméstico para estas mulheres, e não que se ensine apenas «bordados a ouro» (Almeida, 1904, p. 357). Além disso, os polícias devem inspecionar regularmente estas casas e impor a higiene.

Na crónica «Lisboa Monumental» (1906), inserida na coletânea Barbear, Pentear [1911], Fialho de Almeida fala dos bairros operários e reforça a impressão obtida com o interior das casas. Neles, tudo é mau:

são poçanheiras asfíxicas, sem beleza nem graça, em pátios lúgubres, terrenos de refugo e mau acesso, mal expostos, mal calafetados, mal enxutos […]. Casas estreitas, mal repartidas, decrépitas, ruas tortuosas onde escasseia a luz e o ar, canos insuficientes que estagnam debaixo dos prédios, por tempo indefinido as imundícias e resíduos da vida — lixo, dejetos, que agora saem pelos barris e canos de esgoto, e logo tornam pela janela, em poeiras e exalações do solo e do ar contaminados, ou sob a forma de lamas, pela porta, agarrados aos pés dos moradores… Ruas varridas em seco, às horas vitais em que a população inda moureja, e não varridas nunca, numa terra em que a nortada imbecil, todas as tardes faz engolir aos transeuntes o esterco avulso das calçadas mal feitas e dos macadames nem petrolados, nem alcatroados, segundo a norma das terras higiénicas… Carroças de lixo a céu aberto, cheias de buracos e fendas, que por um lado apanham o esterco, e por outro o vão peneirando aos solavancos das rodas, por calçadas cheias de escaninhos… Esgotos horríveis, pestosos urinóis sem desinfeção nem limpeza regular, latrinas no sítio mais escuso e húmido das casas, onde os únicos líquidos são urinas ou águas corruptas de cozinha — madeiras podres e soalhos fendidos, por cujas frinchas os detritos infecciosos se anicham, lustres, constituindo nos entressolhos outros tantos focos de cultura — doenças contagiosas que passam, matam e vão renovando os inquilinos, sem que nenhuma desinfeção, pintura ou lavagem regular dos muros e soalho. (Almeida, 1960, pp. 108-109).

Esta longa citação revela o ambiente que se vivia nestes bairros decadentes, em que as condições das ruas e do interior das casas são inaceitáveis e nojentas, propiciando o aparecimento de focos de infeção graves que levam à morte de muitos dos seus habitantes. A solução apresentada pelo autor, noutra situação interventiva, é deitar abaixo as casas, drenar os solos, fazer uma canalização hermética e esgotos para o rio ou, com uma visão muito contemporânea, «revertendo os dejetos para montureiras que a química trate e inofensive, o que daria por si uma riqueza subsidiar da agricultura suburbana, evitando a infeção da margem do rio» (Almeida, 1960, p. 110). As novas casas seriam pequenas, com um ou dois pisos, em tijolo refratário, de inspiração típica portuguesa, jardins e muros. E a descrição que é feita destas futuras habitações é alegre, colorida, por oposição à triste realidade: «Os muritos brancos da cerca, orlados de rede de adobos, vermelha ou amarela, […] cancelas verdes, […] o cottage risonho, airoso, de cortininhas brancas e gaiolas» (Almeida, 1960, p. 111). As ruas seriam direitas, largas, com passeios e árvores, bancos à porta. Uma rotunda central seria ajardinada e iluminada para concertos e atividades ao ar livre. Teria também a biblioteca pública, o lactário, a creche, o balneário gratuito, ginásio, uma igreja, um espaço para conferências e comícios e a escola. Daqui sairiam todas as ruas, que dariam para praças com jardins infantis e campos de jogos para adultos. Seria um espaço saudável, arejado e agradável, o contrário da realidade existente.

No entanto, já a 26 de novembro de 1876, na secção do folhetim e na primeira página do jornal Correspondência de Leiria, num conjunto de cinco crónicas intituladas «Calamitas, calamitatis», Fialho de Almeida apresentava a razão para a calamidade de doenças e epidemias que acontecia nas cidades (não só Lisboa, mas também Londres ou Paris): a aglomeração. E apresenta exemplos que comprovam a sua afirmação, descrevendo os habitantes destes bairros decadentes:

Os que responderem que romantizo, visitem Alfama, as vielas da Esperança que se empinam até Castelo Picão, os labirintos imundos que começam à roda do Hospital de S. José e acabam próximo de S. Domingos e Betesga ou Rua Nova da Palma. Ao escurecer todas essas vielas lamacentas, já mais beijadas pelo sol, todas essas casas negras, sem vidros, sem asseio, sem conforto, são inundadas pela turba operária, pela população ociosa e criminosa; acotovelam-se fadistas e meretrizes, operários e costureiras. O investigador tomará, atravessando as turbas, conhecimento duma série infinita de amores venais, projetos estultos, intrigas criminosas; se tiver o ouvido delicado, sairá com ele fechado por um calão assustador e áspero, por gargalhadas de gente sem pudor e sem brio, por apóstrofes de canalhas para canalhas; e se detiver um momento, parando, a sua curiosidade, corre o perigo de um insulto ou duma violência corporal. (P. 1).

À degradação das habitações junta-se a degradação das pessoas que lá moram, os «outros» lisboetas, pobres, operários, ociosos, criminosos. Salientamos a utilização da palavra «investigador» para o autor se referir a quem imergir nas ruas para se inteirar da verdadeira situação social. Poderá ser um cientista (médico, como o próprio Fialho) ou o jornalista literário.

Em Lisboa, o próprio rio Tejo comunga desta decadência que se encontra nos bairros degradados, é o esgoto de uma cidade em crescimento: «A água assim sulfídrica, oceanos e rios cessaram de ser o laboratório da perpétua atividade universal, […] para ficarem sendo um desagradável extrato de cadáver, purgativo quando se bebe, fastidioso quando se olha, e febre-tífico aquando respirado» (Almeida, 1992d, p. 185). Ali há a «drenagem duma capital de quatrocentas mil almas, lançando as ondas, quotidianamente por canos de chumbo, os sobejos da sua porcaria; […] dejetos das fábricas, dos mercados, às lamas dos chuveiros, às folhas putrefactas das florestas, e aos solutos maláricos das rochas, […] imersão direta das podridões» (Almeida, 1992d, p. 186). Sendo um homem de Ciência, Fialho de Almeida recorre a termos científicos, faz referência aos químicos na água, a água não como elemento que dá a vida, mas repositório de morte, consequência do progresso industrial e do aumento populacional. Ou seja, Lisboa, apesar de ser francamente mais retrógrada do que ouras capitais europeias, como Londres, também sofre as consequências de um progresso à sua medida.

Se a água do rio não era apetecível, na crónica de 14 de junho de 1876, na Correspondência de Leiria, Fialho de Almeida menciona o problema da falta de água na cidade de Lisboa, uma vez que «com a falta de chuva a canalização da cidade entulha-se de defecações que exalam pelos respiradouros dos passeios os mais pestilentos miasmas» (14 de junho de 1876, p. 2), podendo até causar uma epidemia. Alem disso,

os únicos despejadouros bem e largamente construídos pertencem ainda ao século 17, e são obra do grande marquês; os mais nem têm regularidade nem inclinação; compõem um labirinto tortuoso, estreitamente aberto, consertado aqui, estragado além, que não faz mais do que aglomerar nuns pontos a imundície arrastada doutros. Sucede que só quando as chuvas abundam é que estes enormes intestinos se desobstruem e que a cidade pode ficar livre dum foco terrível. (14 de junho de 1876, p. 2).

O labirinto não se encontra apenas nas ruas da cidade, também o sistema de escoamento o era. Sabemos que em 1880 se introduziram as águas do rio Alviela na cidade de Lisboa e se encerraram muitos poços, essencialmente nas zonas marginais e baixas da cidade, o que levou à redução da mortalidade por febre tifoide (Pato, 2011, p. 26). Quanto aos esgotos, foi Ressano Garcia em 1884 quem projetou um sistema de drenagem da cidade de Lisboa, que descarregava no rio Tejo. No entanto, «as más condições de estanquidade e autolimpeza dos coletores levaram a proibições frequentes da descarga de águas residuais domésticas nos coletores pluviais, com a consequente necessidade de recolha d[as] águas residuais doméstic[as] depositad[as] em recipientes de barro deixados à porta das habitações durante a madrugada» (Botica, 2012, p. 8). Entretanto, era a água das chuvas que levava os dejetos amontoados nas ruas diretamente para o rio (Botica, 2012, p. 8).

A ideia de ares perigosos e irrespiráveis da cidade também havia já sido transmitida na crónica fialhiana «Sintra» de 20 de agosto de 1876 na Correspondência de Leiria:

Na cidade respira-se um ar impregnado de miasmas terríveis, onde o sulfídrico tem um predomínio atroz. No Aterro é impossível transitar, no Chiado há uma exalação perigosa de gases provenientes de matérias orgânicas decompostas; nas ruas morde-se continuamente […] uma poeira, […] composta de pedacinhos de papel e de trapo, de esterco, de talosinhos de couve secos. (P. 2).

A única forma de fugir da ameaça da morte em Lisboa é ir para Sintra.

Durante o século XIX, era usual a colocação de latrinas e urinóis no exterior dos prédios ou grupos de prédios para utilização pública. Apenas no final do século se instalaram latrinas em edifícios, quando a tecnologia do edifício pombalino começava a deixar de ser aplicada integralmente. Só a partir da década de 40 do século XX começou a ser regular a construção de instalações sanitárias no interior das habitações (Botica, 2012, p. 11).

As condições de salubridade eram, como se vê, escassas e os habitantes da cidade viviam num perigo constante. As questões de saúde eram apenas um problema entre tantos outros. Alguns bairros da capital lusa enfrentavam uma situação de degra dação. O ar envenenado com gases próprios de zonas fabris ou com os micróbios da decomposição de seres vivos, os labirintos imundos e os habitantes que pertenciam à franja da sociedade foram escrutinados por jornalistas literários em Portugal. A recorrência de vocabulário relacionado com o labirinto, as vielas, os termos químicos dos elementos poluentes das cidades e dos rios e causadores de doenças comprova a preocupação dos jornalistas literários por este tema no final do século XIX. O jornalista literário investiga as suas histórias e, para tal, dirige-se aos locais para verificar com os seus próprios olhos a matéria que descreverá nos seus textos, neste caso, a miséria que assola as grandes capitais europeias (do passado e do presente).

Porém, nem só da cidade dos vivos se ocupa este autor; também a cidade dos mortos lhe merece atenção. O cemitério dos Prazeres (1834), cuja construção é inspirada no modelo do Père-Lachaise parisiense (1804), é objeto de reflexão por parte de Fialho de Almeida, numa manhã em que até lá se desloca, na sua crónica de 2 de julho de 1892 de Os gatos. O autor constata que há analogia entre as ruas do cemitério com certas ruas da Baixa, pois cada mausoléu tenta chamar a atenção sobre si próprio com as inscrições que exibe. Por exemplo: «Virtuoso pai de família — os afetos domésticos foram para a sua alma pura uma aspiração do céu» ou «Modelo de amizade — os duros sacrifícios que ela às vezes exige, lhe pareceram sempre suaves». Também, como nas cidades, há casas novas ao lado de casas velhas: «Ao pé dos bairros velhos, onde sepulcros tisnados pela idade, esquecidos de coroas, e com as inscrições delindo à lima do desleixo, poisam […] outros bairros recentes, de pedras brancas, legendas novas, flores e passeios marginais acabados de bater» (Almeida, 1992f, p. 52). Fialho afirma até que há jazigos com campainha e penico, porque «os cemitérios de Lisboa não passam afinal de grandes feiras de chacota, onde a galhofa dos vivos parece que se compraz a fazer surriada aos que estão mortos» (Almeida, 1992f, p. 50).

Mais uma vez compara o cemitério dos Prazeres à cidade de Lisboa: «O cemitério possui a sua baixa, o seu Buenos Aires, o seu Campo de Ourique, o seu Bairro Alto, e a sua Alfama» (Almeida, 1992f, p. 52). Há casebres, palácios-mansardas, chalets, palacetes e os jazigos municipais são os grandes prédios de seis andares. A par desta urbe silenciosa estão as campas rasas:

as ruas quadriculam para dentro dos seus marmóreos quarteirões pequeninos quintais de campas rasas, números brancos com placas negras, ciprestes, cedros, moitas de arbustos, erva e jaziguinhos de pobres com parapeito de sacada. É a cidade obscura dos de caixões à terra, dos prometidos das larvas, tragados por não poderem pagar-se uma salgadeira de pedra com perpetuidade, longe dos roedores subterrâneos. (Almeida, 1992f, p. 53).

Também aqui se encontram diferenças entre os mais abonados, pois «têm grades de pau, e leitos de ferro entrelaçados de sardinheira e rosas de toucar» (Almeida, 1992f, p. 54). E após diferenciar os epitáfios de pobres e ricos, valorizando a singeleza das palavras dos primeiros e criticando a soberba e falta de humildade dos últimos, deixando transparecer a sua opinião de jornalista, como lhe permite o jornalismo literário, conclui:

O culto aos mortos, com doloroso soluço da saudade perpetuando a fé nas lápides das tumbas, eis em que o tornaram as desmoralizadas raças lisboetas, sem poesia doméstica, sem laços de família, sem religiões, sem crenças, sem delicadeza de alma e sem carácter, gentes que atiram aos mortos o escárnio da mais jogralesca literatice, pondo na cidade de espetros o mesmo cunho reles que a capital do país há muito tem. (Almeida, 1992f, p. 57).

A cidade dos mortos é, desta forma, um reflexo da urbe dos vivos até nas palavras que perpetuarão a memória dos que haviam partido. A ideia de que um cemitério é equivalente a uma cidade é confirmada por André quando afirma:

os Cemitérios Municipais da Lisboa Oitocentista, os mais periféricos dos equipamentos urbanos liberais, foram pensados e delineados por razões higienistas, como um espaço funcional, regular e simétrico, no qual as construções tinham apenas de ser «decentes» com centralidades (praças e ruas principais) e periferias (ruas secundárias e de limite) em tudo semelhantes à morfologia urbana da cidade. (André, n. d, p. 66).

O facto de haver distinção nos túmulos e nas referências à vida terrena de quem lá está sepultado prende-se com o facto de ter havido uma alteração na forma de pensar e sentir a morte: os cemitérios passam a representar a memória da vida (André, n. d., p. 66). O espaço do cemitério começou a revelar marcas de uma burguesia em ascensão, e essas marcas traduzem-se na construção de jazigos, que progressivamente foram tendo maiores dimensões.

Já em 1881, na rubrica «Zigue-Zagues» do Novidades de 13 de janeiro, Fialho havia dedicado um longo texto aos ritos funerários da época. A sua preocupação era higiénica e apresenta aos leitores uma imagem dos cemitérios nada salubre:

as sepulturas, tão pouco fundamento talhadas e tão prematuramente removidas, fazem dos cemitérios enormes focos de podridão, donde se levantam, em nuvens os miasmas, que as brisas regulares, já das montanhas, já trazidos sobre as correntes do Tejo, todos os dias arrojam em corrente para a atmosfera paludosa da cidade. (Almeida, 13 de janeiro de 1881, p. 2).

O excerto revela uma preocupação do autor com a saúde pública da capital. Acaba por ser esta a situação que levou as autoridades a estabelecerem planos para novos cemitérios, uma vez que já desde o século XVIII havia queixas de corpos não enterrados quando não havia campas abertas suficientes e de exalações de podridão (André, n. d., pp. 77-78). Fialho, na mesma crónica, critica o facto de os cemitérios da cidade estarem mal situados e de se rem pequenos e poucos para a quantidade de mortos que as várias doenças provocam: «Os aneurismas estoirados, as hipertrofias, os tubérculos, as meningites, os tifos e a sífilis com toda a variante enorme das discrasias do sangue» (p. 2). Critica ainda o facto de os dois cemitérios municipais (Prazeres e Alto de S. João) estarem pouco altos e pouco afastados das habitações e de as condições geológicas dos terrenos não serem as melhores para a instalação dos mesmos. Vai mais longe e afirma que a epidemia de tifo ocorrida em 1880 em Alcântara se deveu às escorrências dos Prazeres. Fialho une, através da doença e da morte, as duas cidades que compõem a capital portuguesa. Como jornalista literário que é, não descura nenhum pormenor por si observado, não deixando ao mesmo tempo de deixar transparecer a sua interpretação dos factos que transmite ao leitor como sendo verídicos, objetivos e fiáveis.

No caso das valas comuns, o autor em estudo afirma que a situação é muito grave, uma vez que não são muito profundas e comportam muitos corpos que são levantados antes do tempo adequado (cinco ou seis anos). Juntando às condições geológicas do terreno, «o terrível invasor miasma, que se nutre da morte e da podridão, ganha força e multiplica-se, […] [vem] espraiar-se às ondas, faminto e devastador, sobre a população asfixiada já pelos animálculos da sargeta, pelos fétidos de ménage e pelas fermentações do saguão» (Almeida, 13 de janeiro de 1881, p. 2). Em face desta situação trágica para a higiene pública, Fialho apresenta a sua ideia para solucionar o problema: deve abolir-se o cemitério e substituir o enterramento pela cremação. Já em 1856 o Marquês de Sousa Holstein havia escrito o artigo «Inconvenientes dos cemitérios sua substituição pela ustão dos cadáveres», propondo a cremação como estratégia para evitar os problemas de saúde pública (André, n. d., p. 95). Mas o desejo fialhiano de renovação dos ritos fúnebres é tal que dá sugestões até sobre a arquitetura do crematório e os compartimentos que devia ter o edifício e as suas funções. Mais uma vez, o lado médico e científico de Fialho transparece nos seus textos.

A capital de Portugal não é constituída apenas por bairros miseráveis, como poderá parecer pelas palavras de Fialho de Almeida. A cidade na viragem do século XIX, que se encontra em transformação, apresenta outros locais que servirão de análise ao autor, como a Avenida da Liberdade, o bairro da Lapa, ou feiras ou touradas onde a população se divertia. Na imersão na cidade, Fialho de Almeida passeou igualmente num bairro rico, na zona da Lapa, Buenos Aires, um bairro «da alta finança, sem lojas, nem pregões» (Almeida, 1994, p. 17), habitado principalmente por ingleses e que apresenta, consequentemente, características da vida urbana britânica. A modernidade surge no vidro inteiro nas janelas, «de um cristal puro» (Almeida, 1994, p. 17), proporcionado pelo avanço tecnológico na indústria vidreira, e nos estores de seda e alcatifas, ao lado dos tradicionais «corrimões de bronze, lambrisées de mogno, sob uma cúpula em vitrail» (Almeida, 1994, p. 17), concorrendo para a ideia de que estas habitações são pequenos museus. O autor continua a descrição da riqueza e do luxo, mencionando estatuetas com globos de alabastro, jarrões com plantas raras, espelhos com molduras de ferro forjado, estufas nos jardins com plantas exóticas. O que se constata é que Fialho de Almeida não faz os seus percursos citadinos apenas pela Lisboa noturna e negativa.

A Avenida (atualmente Avenida da Liberdade), outro espaço descrito por Fialho, foi construída onde antes estava o Passeio Público, um recinto limitado primeiro por altos muros e depois por um gradeamento de ferro com três entradas. Com a iluminação a gás, a animação diurna pôde ser feita também à noite. O Passeio era um espaço de passeio, de descanso, de conversa, de namoro de uma sociedade que se queria elegante. O projeto de Ressano Garcia2 foi então avante e demoliu-se o símbolo da Lisboa romântica para se construir um boulevard de inspiração francesa, inaugurado em 1886, em conjunto com o Parque da Liberdade, atual Parque Eduardo VII. Fialho afirma que a Avenida é «um corredor de cantaria, com altos muros cheios de buracos, palmeiras de cabelos nas pernas, e um obelisco-termómetro marcando no primeiro de dezembro o zero da temperatura patriótica» (Almeida, 1992f, p. 194). Explica que se ouviram críticas aquando da notícia do desaparecimento do Passeio Público, fosse pelo gosto que as pessoas faziam no descanso, nas criadas ou na música, fosse pelo interesse económico de proprietários de prédios e hortas nas expropriações, ou ainda por questões políticas. Porém, constatamos que o autor dedica mais espaço nas suas crónicas aos locais degradados e decadentes e às gentes miseráveis que habitavam a capital portuguesa.

Fialho de Almeida percorreu a cidade de Lisboa durante anos e relatou as suas impressões e opiniões relativamente aos factos que testemunhava. O jornalismo literário isso permite. Os seus périplos não se circunscreviam apenas aos bairros mais degradados da capital, porém raramente conseguia descortinar apenas aspetos positivos: encontrava edifícios degradados, como palacetes outrora sumptuosos ou o Hospital de S. José em quase ruína; a falta de gosto arquitetónico e o «afrancesamento» das construções levavam à crítica das autoridades que tal autorizavam; os cemitérios, nomeadamente o dos Prazeres, eram construídos à semelhança das cidades dos vivos, com zonas para os defuntos ricos e zonas para os pobres, e faziam a ligação entre os dois polos da cidade — a falta de higiene levava a que as escorrências dos cadáveres provocassem epidemias mortais. O jornalista/repórter/investigador social permanecia atento às situações que colocavam em perigo a saúde pública e denunciava-as, convocando os seus pares para uma atitude semelhante. Observa uma cidade dual — com um lado rico e um lado pobre, a cidade diurna e a noturna, a vida de aparentes valores e a realidade dos pecados e do crime — que deixa transparecer através das suas palavras em textos da viragem do século XIX.

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*Este artigo é constituído, na sua quase totalidade e com algumas alterações, por alguns subcapítulos da tese de doutoramento em Ciências da Comunicação intitulada A cidade de Lisboa no jornalismo literário de Fialho de Almeida, a qual foi defendida em outubro de 2019 no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

1  A teoria da raça, do meio e do momento, de Hippolyte Taine, ou teoria determinista, surgiu na obra Histoire de la littérature anglaise (1866). Aqui, o autor defende que o meio em que o indivíduo vive (a natureza e as outras pessoas) influencia o desenvolvimento do seu carácter. As três forças primordiais para a formação do homem são a raça, o meio e o momento. Taine afirma que «la race, ce sont ces dispositions inées et héréditaires que l’homme apporte avec lui à la lumière, et qui ordinairement sont jointes à des différences marquées dans le tempérament et dans la structure du corps. Elles varient selon les peuples» (Taine, 1866, p. XXIII). Estas disposições são instintos e aptidões que estão no sangue. A mudança ocorre com uma mistura de sangue como, por exemplo, através de uma invasão ou conquista permanente. No entanto, estas características hereditárias podem ser alteradas pela ação de elementos do meio: o ar, os alimentos, a temperatura, o clima, a Natureza e os homens que rodeiam o indivíduo. O momento é também importante, seja aquele em que se vive como os passados, que deixam marcas que sobrevivem até ao presente. Cada momento produz resultados diferentes. Pela interseção destas três forças, o homem revela-se através das suas roupas, gestos e ações.

2  Frederico Ressano Garcia (1847-1911) foi engenheiro, ministro, deputado e responsável pela expansão e renovação urbana da cidade de Lisboa nos finais do século XIX.

TSN nº15, 2023. ISSN: 2530-8521